quarta-feira, 19 de maio de 2010

A METÁFORA E O TANGO

Não dei a mão ao Governo: dei a mão ao País, disse Pedro Passos Coelho. É uma metáfora sorridente, destinada a justificar o conúbio deste PSD com o PS que por aí penosamente se move. A metáfora é uma forma de encantamento, e a dissimulação do que se não deseja abertamente dizer. Ao pretender salvar a pátria, deprimida e confusa, com um tropo linguístico, Passos coloca Sócrates num lugar errante e subalterno. Por seu turno, este, em Espanha, enche aquele de elogios, utilizando, também, uma metáfora, a do tango, para afirmar, ante uma plateia estupefacta, ter, agora, com quem dançar. Uma cena deprimente.

Sócrates já esvaziara de direcção e de sentido a sua política e a sua presunção. Mentiras, omissões, deambulações absurdas, uma certa pusilanimidade decisória tinham-lhe apagado o estilo e embaciado o retrato. Falou-se em arrogância o que, de facto, era falta de convicção, ausência de livros, ambiguidade ideológica. Está a descer rapidamente a rampa. Não sinto o mais escasso contentamento com dizer isto; pelo contrário.

Pedro Passos Coelho apercebeu-se da debilidade. E, igualmente, da oportunidade surgida das indecisões do adversário e do evidente mal-estar no PS. Até o cauteloso e matreiro Seguro, que sempre preferira expressar-se com frases evasivas e castos comentários, começou a protestar, no objectivo essencial de tomar lugar no proscénio. O PS anda numa deriva interminável e só agora o cândido moço desperta, com sobressalto. António José Seguro não passa, realmente, do rasto das coisas.

Quanto a Passos Coelho, ele sabe que não embarcou numa aventura perigosa. Se Sócrates cair, ele não se estatela porque desempenhou o bondoso papel de preferir a pátria ao partido. Acaso Sócrates sair vencedor destes imbróglios e surja aos olhos dos paisanos como a Fénix renascida, Passos Coelho desfrutará do lugar daquele que procedeu a grandes magnitudes e a decentíssimos comportamentos políticos.

José Sócrates talvez ainda se não tenha apercebido, ou apercebeu- -se e gosta da vaidade lisonjeada, de que está rodeado de sabujos, uma gente degradante, para quem o exercício de pensar é uma embaraçosa maçada. Basta assistir aos preopinantes que o defendem para aquilatarmos da natureza dos seus caracteres e da substância do que dizem. O caso da protelação do apoio a Manuel Alegre é uma pequena vingança de pequenos medíocres, sem aprumo nem grandeza, que chegam a espadeirar-se no insulto rasteiro.

O Governo é um descalabro, e o PS um partido enfermo pelo poder. Há uma corrosão acentuada na sociedade portuguesa. A impostura adquiriu carta de alforria: ninguém é culpado, ninguém é responsabilizado. 
Quem nos acode?


B.B.

9 comentários:

P. disse...

depois da Tanga
o
Tango

José disse...

A aldrabice constante

“O nosso plano anterior não previa o aumento de impostos”, disse.

“Infelizmente no último mês o mundo mudou, a Europa mudou e mudou todo o ambiente. Por isso a Europa teve necessidade de avançar com o fundo de estabilização, com a ação do Banco Central e também com um novo esforço dos Estados”, sublinhou.


Tal como poetizou Camões, "todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades".

Porém, neste quadro de poetização do efémero, infelizmente, há uma coisa que não muda: o carácter deste primeiro-ministro. A mentir não há quem o bata. A aldrabar também não.

J.A.M. disse...

O estado a que chegámos volta a parecer uma espécie de cão de guarda dos interesses, continuando a ser alimentado por impostos. Enquanto o povo não voltar a ser a principal das forças vivas, as castas que controlam e pressionam os donos do poder até mantêm a ilusão de domar a própria democracia.

Segundo nossa eminência, em portinhol falando, não há bloco central, mas apenas um "parceiro patriota e responsável" com quem quer "danzar el tango". Parafraseando Barroso, apenas peço que não nos deixem de "tanga". A bailados destes, não há cooperativa que resista, nem a da mula do Max, que este, ao menos, sempre nos dava o bailinho da Madeira...

Anónimo disse...

"Como se dice en español, para que el tango se necesitan dos. Durante muchos meses no tenía pareja para bailar".
José Sócrates sobre Passos Coelho

Anónimo disse...
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Anónimo disse...
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Anónimo disse...

Embalado por aquele jogo das inevitabilidades que isenta quem faz as escolhas de qualquer responsabilidade, segundo o próprio, Passos Coelho fez um acordo com José Sócrates para salvar o país da bancarrota. Graças aos dois, estamos salvos. Mas, entre outras, Passos Coelho não foi capaz de salvar os portugueses da tributação extraordinária dos seus subsídios de férias. Não era esse o seu objectivo e, se de alguma forma o acordo resultou em prejuízo para alguém, as desculpas foram apresentadas antes mesmo de conhecidos os efeitos de um pacto assinado de cruz. Relembre-se, o acordo visava apenas salvar o país da bancarrota. E a frase mais ouvida nos últimos dias tem obstado à apreciação da capacidade negocial de Passos Coelho que, a existir, não deixaria intacta aquela máscara de estadista bonzinho com habilidades extraordinárias no que toca a satisfazer a crença idiota de que os problemas do país se resolvem reduzindo os salários aos políticos e condenando os beneficiários de prestações sociais a trabalhos forçados. A imprensa já decidiu. Será ele o próximo Primeiro-ministro. A acontecer, no essencial, as políticas serão as mesmas. Aquelas que a mesma imprensa apresenta como inevitabilidades não são o que distingue as únicas duas escolhas que vão servindo aos portugueses. Não há cá mais ninguém.

S.M. disse...

Na década de 80, recordo-me, era muito comum vermos homens a escarrar no espaço público (às vezes para o lenço de tecido, às vezes para o chão). Por exemplo, o meu professor da primária, homem com os seus sessentas, jamais começaria a aula da manhã sem um ruidoso escarro para o lenço que entretanto dobrava e arrumava no bolso. A ritualizada exibição pública da técnica do escarro, ainda que configurada enquanto necessidade inadiável, cumpria um papel na performance da masculindade/senioridade, performance em que os jovens se iam enculturando por imitação. Não era uma necessidade inventada, era antes uma necessidade reproduzida enquanto imperativo da carne – portanto, transformada em vício do corpo -, e enquanto dramatização de uma identidade: o homem suficientemente gasto para precisar de escarrar, o homem suficientemente vivido para saber fazê-lo com requinte (tudo expelido numa massa sólida, nenhum cuspo ou baba a estragar a cena).

Hoje posso dizê-lo com segurança: o uso público da técnica do escarro não passou para a minha geração. A passagem de testemunho foi truncada por dois factores: primeiro, as concepções higienistas, estruturalmente repelidas aos vestígios do corpo grotesco (Bakhtin); segundo: as novas estéticas da masculinidade, referimo-nos, claro, à celebração da juventude e ao recente culto do homem imberbe. O facto é que o homem gasto já não tem audiência para se celebrar; a lenta putrefacção recapitulada no escarro já nada tem de sénior ou de viril. Se não extinta a necessidade do escarro por falta de uso, hoje cada um vai aprendendo a escarrar (e a assoar-se) no recato da casa de banho. A lenta putrefacção passou para os bastidores e o corpo grotesco só nos aprece na sua forma sexualizada (a pornografia), ou cinemática (o corpo de delito das séries e dos filmes criminais)

Anónimo disse...

PS e PSD continuam a "dançar o tango" à custa das nossas vidas
Passos Coelho vai propor novas modalidades de contratação laboral. Afirmou ainda que o PSD irá condicionar, ou dito por outra palavra, dançar nos próximos meses com o PS, dizendo que só com esta coligação do centrão, se poderá atingir a salvação, concerteza terá esquecido que nas últimas décadas, têm sido estes mesmos dois partidos do centrão, que nos têm governado e dançado às nossas custas, tendo-nos trazido até ao actual desastre.

PSD também afirmou que pretende que as reformas das leis laborais sigam as recomendações OCDE, que basicamente se pode definir como precariedade para toda a gente duma maneira geral, e regras menos restritivas para se despedirem os trabalhadores.

Passos Coelho alega que "diminuir o peso do Estado" com "programas de combate ao desperdício" é que impedirá que Portugal vá à falência, e que os portugueses viverão "consideravelmente pior do que hoje e os serviços públicos perderão muita da qualidade que ainda vão exibindo". Pois, gostariamos que o líder do PSD explicasse como é que os serviços públicos poderão ter qualidade, se não têm pessoas que lhe dêem essa qualidade? Está a ocorrer uma corrida às reformas, devido ao medo que o centrão se lembre de mais algumas medidas de forma a diminuir as pensões, e quanto a entradas no Estado, o tal "saem 2 e entra 1", foi confirmada agora pelo Governo de Sócrates que será "saem 2 e entram 0"!

É verdade que os custos com pessoal até aumentam, mas é importante sublinhar que aumentam indirectamente, passando os trabalhadores a serem contratados por intermédios de ETT (o estado é já o maior cliente) e de outras artimanhas. Assim, na prática, perde o orçamento do estado, perdem os serviços públicos, e rasgam-se vidas dos trabalhadores cada vez mais explorados, tudo isto, enquanto se alimenta a clientela das empresas privadas que se alapam ao estado.
Pois, tempos difíceis se prevêm nos próximos tempos, ao som do tango que Sócrates e Passos Coelho impuseram ao país.